Ao passar junto de uma vide, esta arrebatou-lhe o manto. Indignado, o passante pergunta-lhe por que razão o odiava ela tão veementemente. Ao que ela lhe respondeu: já que os teus ossos se abeberam do meu sangue, porque passas por mim e não me cumprimentas? Este diálogo não existe, nunca existiu, tal como o tempo histórico em que, porventura, pudesse ter existido também não existe. Aliás, nada existe, porque nada resistiu à narrativa ditada pela “voz” apostólica- romana dos vendedores. E, no entanto, eles, os “outros”, andaram por cá durante mais de meio milénio. Se há um buraco negro na nossa memória coletiva, ele abre-se no preciso período de dominação árabe do território a que hoje nomeamos de Portugal. O homem que passa é Al-Mu’Tamid e o sangue da vide, personificado, é um dos elementos centrais da sua obra poética. Al-Mu’Tamid nasceu em Beja, em 1040, no seio de uma família da nobreza moura, ilustrada, como o eram as elites árabes do chamado Al Andaluz. Com apenas 13 anos encabeçou um cerco militar à cidade de Silves, tendo-lhe sido atribuído o cargo de governador daquele importante porto fluvial algarvio. É em Silves que conhece e que se deixa “enamorar” por outro dos principais poetas e pensadores do espaço hispano-árabe: Ibn’Ammar. Com a morte de seu pai, Al-Mu’Tamid assume o trono do reino taifa de Sevilha, entregando a governança de Silves ao seu “especial” amigo. Ibn’Ammar acabará por ser requisitado para a corte de Sevilha, mas a sua extrema ambição e o ciúme doentio que nutria pela esposa favorita do rei, Itimad, levaria a que o próprio AlMu’Tamid o acusasse de traição e o tivesse massacrado àcutelada com as suas próprias mãos.

A poesia e a vida de Al-Mu’Tamid foi isso mesmo: extrema intensidade, paixão arrebatada, contemplação sensual e sensorial, desmedido apego aos “bons vícios” da vida, ao amor, por vezes orgíaco e até bissexual, ao álcool e às noites sem fim. É muito interessante e revelador o pensamento tolerante e aberto destes maometanos que habitaram a Península Ibérica, nomeadamente no período imediatamente anterior à alegada “reconquista”.

Al-Mu’Tamid é feito prisioneiro, levado para um cárcere no interior de Marrocos, Aghmat, onde morre em 1095. É no período de cativeiro que Al- Mu’Tamid produz as peças mais pungentes de uma obra que acabaria por ter eco em todo o mundo árabe, acabando por integrar, inclusive, o cancioneiro fundamental das Mil e Uma Noites. Aghmat ainda hoje é local de peregrinação de amantes e poetas.

Jorge Sampaio, quando se deslocou oficialmente a Marrocos em 1998 não deixou de visitar o mausoléu de uma das mais ilustres e desconhecidas personalidades da História de Portugal: Al-Mu’Tamid. Num tempo em que a portugalidade aindaassentava em exclusivo numa redutora noção de nacionalidade, 1971, António Borges Coelho deu para publicação as primeiras traduções em língua portuguesa dos textos dos poetas, cientistas e filósofos árabes peninsulares. Portugal na Espanha Árabe não é apenas um rebuscado álbum de escritos originais, inéditos, é mais um resgate de um tempo que para quase todos nós continua a não existir.

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2023

27 março, 21h30
Teatro José Lúcio da Silva, LEIRIA bilheteira online

31 março + 1 e 2 abril
Teatro Ibérico, LISBOA bilheteira online

27 maio
Cineteatro Alba, ALBERGARIA-A-VELHA

7 outubro
Centro de Arte de OVAR

Equipa Artística e Técnica:

Texto, Direção e Espaço Cénico: João Garcia Miguel

Composição Musical: Artur Fernandes

Intérpretes: Luís Fernandes, Gustavo Antunes, Rafael Zink

Músicos: Nuno Pinto, José Ricardo Freitas, Luís Filipe Santos, Tiago Abrantes

Assistência de Encenação: Gustavo Antunes

Figurinos: Rute Osório De Castro

Direção Técnica: Roger Madureira

Produção: Daniela Ambrósio e Ana Flores

Produção & Vendas: Cássia Andrade

Comunicação e Imprensa: Alexandre Pereira e Ana Flores

Centro de Documentação: André Heitor

Fotografia: Mário Rainha Campos e Ana Filipa Flores

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18 março, CAA - Centro de Artes de ÁGUEDA