“Artistas…
Artistas ou seja criaturas inúteis, que fazem eles que preste, só depois de mortos os apreciam, (…) até admira que não coma a sopa dos pobres, o que a gente sonha para um filho e, vai na volta, prosas…”
A mãe de António Lobo Antunes a suspirar desgostosa
- Não conheces a Rosinha dos Limões, pois não, Lucinda?
- Sim, sim, a minha avó cantarolava-a muitas vezes, lembro-me bem,
quando ela passa, junto da minha janela…
E a Lucinda, uns trinta anos a ressumar amanhãs, enternecia-se de uma ternura de sépia, como se beijasse um retrato antigo. Em minha casa, era a minha mãe que trauteava a Rosinha, a minha mãe, que para os meus seis anos cantava melhor que a Amália!
Tive pena que a minha amiga não tivesse dado de caras com a Rosinha, “arranjada” pelo Culto de Orfeu, na noite de três de Maio, num concerto integrado na Feira do Livro, promovida pela Junta de Freguesia de Águeda. Ossos do ofício, queixa-se ela! Desta vez, a Rosinha trazia no cesto uma guitarra, umas colheres, uma concertina, uma flauta. E atrás dela, o Rogério, o Artur, o Bitocas e o Luís. Os Fernandes. Quem não conhece estes irmãos? Cá para mim, a avó deles também lhes trauteou a infância com a Rosinha dos Limões! Esperta a Rosinha! E ali, no teatro de bolso do Orfeão de Águeda, eu juro que vi limões em forma de notas, a dançarem no ar, os meus olhos atrás delas, as minhas mãos quase a agarrá-las, eu a levantar-me, eu quase a correr para o palco, e eles a arrecadarem a Rosinha a sete chaves, na alma dos instrumentos, e a ovação do público a estalar por todos os poros!
E afinal que fazem eles que preste? Quase me azedo de inveja!
Eles só nos enfeitiçam! Só nos fazem perder a compostura, rir, aplaudir, abanar o capacete, passar-nos mesmo, esquecer o déficit, as aulas de substituição, a idade da reforma, enfim aquele rol de coisas sérias que nos ajardinam o dia a dia!
É que, durante quase duas horas, ninguém segurou as pontas. Foi uma violência aquele cortejo de talento! Partiu-se de Águeda e andarilhou-se pelo resto do mundo. Com a segurança do Artur, a sobriedade do Rogério, a entrega do Bitocas e a paixão do Luís, que, se o deixassem, levantava voo e ainda hoje andava a flautear nas nuvens. Todos a electrizarem-nos.
Se o concerto fosse na Casa a Música, ou no Centro Cultural de Belém, quem sabe se mais peregrinos se juntavam àquela caminhada? Mas que aquela noite fica na memória de um teatro a rebentar pelas costuras, ah isso, que ninguém tenha a mais pequena dúvida! Artistas!