Colha, Recolha. Toque, Retoque. Cante, Recante.
Quando se fala de canções tradicionais costuma falar-se, muito justamente, de raízes. Mas também se pode dizer que cada canção antiga é um fruto que se pode colher directamente da árvore. Uma laranja pode comer-se assim, é só descascar e pronto. As amoras também – nem casca que se veja têm – mas, se forem a ferver e se juntar açúcar, tornam-se compota. O limão pode dar em chá e a menta também (mas esta também pode dar em pastilha elástica ou em sabor de cigarro). A maçã dá sidra, o medronho a aguardente. E as uvas, essas, podem dar mil vinhos diferentes.
Agora, imagine-se uma videira que cresceu nas encostas da Serra do Caramulo. As suas uvas podem ser de casta Castelão ou Touriga, Alfrocheiro ou Bical, Baga ou Arinto, Fernão Pires ou Tinto Cão, mas sabe-se que, dali, das castas da Bairrada estes genes ficam ainda melhores – e dão novos e excitantes sabores – se misturados com genes estranhos ou estrangeiros: Cabernet Sauvignon ou Pinot-Noir, Chardonnay ou Merlot. Ficam, assim, vinhos tradicionais embora estrangeirados, lá da terra mas com um sabor novo e diferente, a fazer justiça às velhas vinhas mas com o viço próprio de inventivos e revolucionários enxertos.
A música dos Toques do Caramulo também é assim. Em “Retoques”, o seu primeiro álbum de estúdio – que sucede a “Toques do Caramulo... é ao Vivo!” (2007) –, o grupo de Águeda vai de novo buscar as antigas canções que vieram da Serra e por eles foram apre(e)ndidos há muito – no Cancioneiro, na Orquestra Típica, junto de pais e avós – mas com tudo o que também aprenderam de outras músicas a meter-se pela tradição dentro. Não por acaso, o álbum começa com uma homenagem a Américo Fernandes (que foi maestro da Orquestra Típica de Águeda) e termina com uma remistura da “Trigueirinha” onde surge, por entre as electrónicas, a voz de David Fernandes, numa ligação, digamos umbilical, às raízes desta música. Mas também lá estão os perfumes da música africana, do jazz, do flamenco e da folk galega, do klezmer e dos Balcãs, para além da sombra assumida e tutelar de grandes cantautores nacionais como Fausto ou José Afonso, a mostrar que muitas músicas, tal como as boas castas de uvas, podem misturar-se livremente e contribuir para uma música nova. E tal como Luís Fernandes – o responsável da maior parte dos arranjos – e os seus companheiros as imaginam e nos dão, assim, a saborear.
No novo álbum, gravado no estúdio que pertence à d'Orfeu – o gravad'Or –, os Toques do Caramulo tiveram algumas preciosas ajudas: o Coro Infantil da Emtrad' participa em “Olha Para a Água”; Sara Vidal, a magnífica cantora portuguesa do grupo galego Luar na Lubre, dá voz e pandeireta galega a “O Brio das Raparigas”, “Pedrinhas da Fonte” e “Trigueirinha”; João André Lourenço toca cajón em “O Brio das Raparigas”; Abílio Liberal (tuba) em “Laranjinha”; e o arquivo d'O Cancioneiro de Águeda forneceu os samples que se ouvem em “Já Vou Chegando à Serra”, “Pedrinhas da Fonte” e “Trigueirinha Remix”. E, finalmente mas não em último lugar, Rui Oliveira foi o incansável escanção que – com tempo, sabedoria e um amor enorme – reuniu todos os sabores deste vinho novo.
“Retoques” – com selo d'Eurídice, o braço editorial da d'Orfeu – chega às lojas no início de Abril.
Agora, imagine-se uma videira que cresceu nas encostas da Serra do Caramulo. As suas uvas podem ser de casta Castelão ou Touriga, Alfrocheiro ou Bical, Baga ou Arinto, Fernão Pires ou Tinto Cão, mas sabe-se que, dali, das castas da Bairrada estes genes ficam ainda melhores – e dão novos e excitantes sabores – se misturados com genes estranhos ou estrangeiros: Cabernet Sauvignon ou Pinot-Noir, Chardonnay ou Merlot. Ficam, assim, vinhos tradicionais embora estrangeirados, lá da terra mas com um sabor novo e diferente, a fazer justiça às velhas vinhas mas com o viço próprio de inventivos e revolucionários enxertos.
A música dos Toques do Caramulo também é assim. Em “Retoques”, o seu primeiro álbum de estúdio – que sucede a “Toques do Caramulo... é ao Vivo!” (2007) –, o grupo de Águeda vai de novo buscar as antigas canções que vieram da Serra e por eles foram apre(e)ndidos há muito – no Cancioneiro, na Orquestra Típica, junto de pais e avós – mas com tudo o que também aprenderam de outras músicas a meter-se pela tradição dentro. Não por acaso, o álbum começa com uma homenagem a Américo Fernandes (que foi maestro da Orquestra Típica de Águeda) e termina com uma remistura da “Trigueirinha” onde surge, por entre as electrónicas, a voz de David Fernandes, numa ligação, digamos umbilical, às raízes desta música. Mas também lá estão os perfumes da música africana, do jazz, do flamenco e da folk galega, do klezmer e dos Balcãs, para além da sombra assumida e tutelar de grandes cantautores nacionais como Fausto ou José Afonso, a mostrar que muitas músicas, tal como as boas castas de uvas, podem misturar-se livremente e contribuir para uma música nova. E tal como Luís Fernandes – o responsável da maior parte dos arranjos – e os seus companheiros as imaginam e nos dão, assim, a saborear.
No novo álbum, gravado no estúdio que pertence à d'Orfeu – o gravad'Or –, os Toques do Caramulo tiveram algumas preciosas ajudas: o Coro Infantil da Emtrad' participa em “Olha Para a Água”; Sara Vidal, a magnífica cantora portuguesa do grupo galego Luar na Lubre, dá voz e pandeireta galega a “O Brio das Raparigas”, “Pedrinhas da Fonte” e “Trigueirinha”; João André Lourenço toca cajón em “O Brio das Raparigas”; Abílio Liberal (tuba) em “Laranjinha”; e o arquivo d'O Cancioneiro de Águeda forneceu os samples que se ouvem em “Já Vou Chegando à Serra”, “Pedrinhas da Fonte” e “Trigueirinha Remix”. E, finalmente mas não em último lugar, Rui Oliveira foi o incansável escanção que – com tempo, sabedoria e um amor enorme – reuniu todos os sabores deste vinho novo.
“Retoques” – com selo d'Eurídice, o braço editorial da d'Orfeu – chega às lojas no início de Abril.
António Pires