O Senhor dos Sonhos é o feiticeiro que se esquece do tempo e se entretém a juntar asas, medos, paixões, adivinhações, fortunas, rostos, bichos, aventuras, sótãos, lhes mistura um pouco de hoje, amanhã e ontem, lhes junta uma poção imensa de estranheza e nos embrulha a noite num labirinto, que se esvai na madrugada.

É deste mundo onírico que nos fala a peça O Labirinto dos Sonhos do Trigo Limpo teatro Acert, que a d'Orfeu e o Centro Comunitário de Recardães trouxeram a Águeda, nos primeiros dias de Março.

Já sabia que me ia perder, que me me ia esquecer do fio lógico que me orienta os dias, mas corri atrás das campainhas que soam no labirinto e lá fui eu, numa aventura, ao reino das maravilhas. Fiz-me Ventura, o menino que sonhava, criei asas, voei por cima de todas as cabeças, conheci um mosquito que não gostava de sangue e se escondia nos buracos da madeira, falei com o bicho Bem e o bicho Mal, cantei e dancei rap com outros bichos, vasculhei um sótão cheio de guarda-chuvas, de livros, de arcas e gaiolas, encontrei o monstro Rapónia que tinha olhos brancos num mar de escuro e me abanava com música de susto e discos de fogo, fui atrás de uma luzinha, encontrei os cientistas e astronautas Alho e Bogalho, visitei o astro Cebolóide, meti-me na sincronia musical de outros seres, andei de sonho em sonho, tão de perto com a minha infância, revisitada agora com teatro de marionetes, com desenho animado, com luz, com sombra, com actores-narradores, filhos dilectos de Hipnos, o rei dos sonhos e acordei, num público cheio de princesas, palhaços, bruxinhas e pais.

E foi de imaginação, técnica e talento que o Trigo Limpo teatro Acert construiu, a partir de um conto infantil, um espectáculo que se situa entre as fronteiras do teatro, do desenho animado, do filme de ficção científica, do teatro de marionetes, contado com vozes, música e imagens de outro mundo, com todos os ingredientes que moram no imaginário das crianças e dos adultos de hoje.

E foi assim que vivemos, crianças, a aventura do sonho, numa sala em Recardães, revisitando lugares a que a noite nos habitua. Se ao menos pudéssemos comandar o sonho, como faz Ventura!

E se a vida é mesmo um sonho, como afirma Caldéron de la Barca, ali, no palco de Recardães, despiu-se de pesadelo e mascarou-se de arco-íris.

Odete Ferreira