A convite do Senhor Director do Museu de Marinha, de Lisboa, e com o apoio da Câmara Municipal de Águeda e do Sr. Comendador António Silva, Presidente do Conselho de Administração da SIM, o ANDAMENTO da d'Orfeu Associação Cultural, com a colaboração da Escola Secundária Marques de Castilho, participou, no passado dia 22 de Outubro, nas cerimónias oficiais comemorativas dos 80 anos da 1ª Travessia Aérea do Atlântico Sul., com a apresentação de Por ares nunca dantes navegados, colectânea de textos de Luís de Camões, Sarmento Rodrigues, Gago Coutinho, Sacadura Cabral, Potiguar Fernandes, Sophia de Mello Breyner e Odete Ferreira.

Nestas palavras oficiosas, esconde-se a cor da travessia e o gosto da travessura de um grupo poético-musical, que mais ou menos assim se viveu.


22 de Outubro - 8h30m - Praça Dr. António Breda

Vão chegando os artistas e os técnicos, a esfregar ainda os últimos sinais de sono. O autocarro da Câmara Municipal vai-se enchendo de equipamento e de arte. Ninguém se atreveu a ultrapassar o limite da pontualidade. O condutor sorria, já habituado a estas andanças.

Já foi o último controle. Já foi o arranque da partida.

A bordo

Vive-se a atmosfera de uma festa, largando a rotina. O Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Marques de Castilho oficializa a fuga. Emília Batista contabiliza os adereços. O fato de Almirante está em cima, a bóina do marujo, por baixo, as cruzes do império, na bagageira, que eu me lembre, não falta nada. Os textos, os textos?, pergunta o Óscar, com medo de perder a personagem. O Bruno acalma o estresse do pêssoal, sotaqueando o brasileiro. A Ana e o Francisco respiram silêncios e sorrisos e acomodam o instrumental. O Paulo, o técnico da dOrfeu, assume o ar imperturbável de quem domina a situação. O Hugo acena um adeus a um grupo de fãs.

Águeda começa a perder-se. Levamos a inquietação dos nossos, que nos ligam a desejar sucesso e boa-viagem. A Raquel e a Marisa partilham os segredos mais recentes. O Ricardo liga à mãe, a desejar-lhe bom dia. Adequa-se a música e olha-se a estrada molhada, a abarrotar de trânsito.

Uma paragem a meio da travessia.

E finalmente a capital

Desfilam as nossas memórias de anteriores deslocações. Nós estamos a ficar bigues, superlativa-se o Bruno. Atravessamos Lisboa, rumo à Praça do Império. Ao lado dos Jerónimos, o Museu de Marinha. Um marinheiro aguarda-nos e dá-nos instruções. Recepção de stars, comenta a Marisa. Chega o nosso anfitrião com a afabilidade de quem sabe receber.
Museu de Marinha 13h
Entramos na sala grande do Museu. O Santa Cruz, o hidroavião que terminou a Travessia, estende-nos as asas, com um certo ar de espanto e suspeição.

Que gente tão pequena! pensou.

As figuras tutelares de Gago Coutinho e Sacadura Cabral parecem sorrir-nos. No bergantim real, espreita-nos uma palavra cúmplice da rainha D. Amélia.

Mostrem o que valem! Eu estou convosco!

A responsabilidade cresce. Almoçamos na pequena cantina do museu. Somos apresentados ao Subdirector do Museu, ao Comandante da fragata D. Fernando e Glória, a outros marinheiros e a funcionários do museu. As mesmas boas-vindas. A mesma pergunta. Porque vem um grupo de jovens participar nestas cerimónias? E porquê um grupo de Águeda? Desfilo os nossos pergaminhos de agentes culturais, a atestar a importância da cultura nos longes provincianos. Sentimo-nos acarinhados. Estamos prontos a dar o nosso melhor. Por nós mesmos. Por quem acredita em nós.

A tarde passa, entre a montagem do som e os últimos ensaios. O nosso guarda-roupa mostra-se um pouco desadaptado. Os fatos de hoje não vestiam condignamente os heróis de há 80 anos. Rapidamente se substitui a modernidade. Emprestam-nos sobretudos, gorros, bóinas, casacas, tudo o que nos dava um ar de maior autenticidade.
Começam a desenhar-se outros convites.

Têm de vir cá fazer um espectáculo, na fragata D. Fernando.

Disfarçamos os nossos medos e agradecemos. Um visitante de língua inglesa observa os preparativos e vai opinando,

This must be for the king!

Deve acreditar que somos uma província de Espanha e Juan Carlos nos governa.

No final, uma pausa curta para um café.
18 Horas
Começam a chegar os convidados. Fardas de gala da marinha vão azulando o museu. Almirantes e outras altas patentes olham-nos com estranheza. O presidente da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta traz-nos um abraço de festa e de solidariedade. Afinal, também recordamos Sarmento Rodrigues, um ilustre da sua terra. Os actores lembram-se bem da hospitalidade e do calor do público transmontano. Somos convidados a actuar no Centro Cultural da vila, recentemente inaugurado. Lá estaremos brevemente.

Familiares nossos estão no meio do público.

E a cerimónia começa. As palavras do Director do Museu, o Comandante Adriano Beça Gil, a abrir a sessão. Em seguida, uma conferência proferida pelo Comandante António Jorge Silva Soares, ex-aviador naval, dedicada especialmente aos jovens, sobre o valor do feito de Gago Coutinho e de Sacadura Cabral e a sua importância para a história da aviação mundial.

O nosso momento.

O texto e a música fluem. Os olhos abertos da assistência. O silêncio da concentração. E os aplausos finais. Todas as perguntas ficam respondidas. As felicitações. A oferta de um brasão do Museu de Marinha dedicado ao Andamento da dOrfeu. Saudações de familiares de Sacadura Cabral. Abraços efusivos do filho e genro de Sarmento Rodrigues, também eles almirantes.

Uma maneira inovadora e aliciante de apresentar a história comenta-se. Pedem-nos o texto, perguntam-nos porque não levamos o espectáculo a escolas, porque é que a televisão não nos divulga, e nós sentimo-nos meio perdidos, no meio de tanto apreço. Mal apreciamos os aperitivos que nos oferecem.

Antes do regresso, o jantar. O mesmo bem receber. A mesma qualidade culinária. Umas últimas palavras do Director. Lembranças ainda. Agradecimentos mútuos. Convidem-nos sempre.

21h30m A bordo

Ambiente escurecido. Assentos almofadados. Ansiedade acomodada. Saudade já.
O quase amargo da rotina do amanhã. Uma paragem a cortar o sono.

24h Praça Dr. António Breda

Um até amanhã. No sono, revisitamos o abraço que levámos a Lisboa.


Odete Ferreira