Leicester descansou dois dias.
Domingo, em Coventry, onde tocámos para umas centenas largas de jovens de todo o mundo, no simpósio mundial "Values Have no Boundaries - Action For the Millennium" (fonte: a t-shirt que nos ofereceram), demos de caras com uns trinta portugueses. Tempo apenas para algumas conversas arranhadas num português em evidente mau estado, dada a fraca utilização por estas bandas. Ainda assim, e apesar das rudimentares condições técnicas, a nossa actuação foi um momento de euforia nacional.
Segunda-feira, em Londres, começou por causar estranheza o Big-Ben ser quase tão baixo como a Torre de Belém: a velha falibilidade dos postais. Depois, em frente ao Palácio de Buckingham, indignou-nos a rainha não ter saído à nossa passagem. Entretanto, a presença de David Beckham e a sua respectiva Spice Girl era motivo de uma grande romaria na Virgin Megastore mais central de Londres. Neste caso não era prudente o casal ter saído quando passámos, o que se compreende. A visita agitada acabou por sossegar para a tarde (levo essencialmente a experiência que os bancos de jardim de Londres são duros para dormir uma sesta).
Quando ninguém contava (até eu já tinha mudado o parágrafo), eis que em Londres estava "Lady" Raquel, também ela d'Orfeu. A feliz coincidência do encontro deveu-se a um ocasional palavreado captado numa loja de "souvenirs", atentando contra o preço das coisas numa linguagem familiar que me deteve. Bom, dos breves momentos conjuntos tiraram-se fotografias para provar que foi verdade.
O resto da semana foi dedicada a trabalho intenso nos workshops de design de t-shirt, de página web e de música. Repetidamente na Youth House toca hoje o CD com os três temas compostos e gravados no estúdio por portugueses, estónios e belgas, tendo Joe como técnico de som, ele que no mesmíssimo local já gravou os portugueses "Blackout" e "Hands on Approach". Aliás, foi em estúdio que dois dos belgas, John e Carmelo, se revelaram belíssimos músicos, eles que até aí eram apenas conhecidos do bilhar e das partidas de futebol no ginásio. Os estónios continuavam com resistência todo-o-terreno: impressionou especialmente o conforto dos seus pés descalços no refeitório da Youth House, onde todo o chão é laje. Fria. Em Inglaterra. Certo é que para eles tudo deve ser mais quente que a escandinava Estónia. No capítulo gastronómico, pouco ou nada melhorou nos dias de Leicester. Apenas se condimentam os momentos sofridos de algumas refeições, com "cromos" como Urmas, que se destacou na divina arte de enchafurdar ketchup em tudo o que tivesse aspecto comestível. O sortimento de ketchup da Youth House sofreu duro golpe nestes dias.
Também sofrido foi o jantar de bacalhau assado no forno confeccionado pelas portuguesas, sob as ordens da chefe Ana Balreira. O demolho feito pelos ingleses, comprovado nos escritos da embalagem, não terá durado meia-hora, pelo que o jantar foi particularmente salgado. Ainda assim, a delícia do tempero e o desvio dos fritos ingleses foram tudo para nós naquela noite.
As animadas noites de Leicester, na Youth House e arredores, com rotinas dedicadas a cerveja e a serenatas, conheceram mais uns capítulos nos últimos dias.
Quarta-feira, no centenário café West Cotes, jogámos "skittles", uma espécie de antepassado do bowling, com mecos rudimentares q.b. e numa sala com o encanto dos milhares de partidas ali jogadas.
Quinta, voltámos ao Shed. Registou-se nova euforia dos ingleses perante os excêntricos jovens músicos portugueses. Kenny ("the one man show" de que se falava na primeira crónica) mais uma vez teve pouco que fazer e, enquanto tocou, não esteve sozinho a animar as hostes. Ontem, sexta, Eddie (baterista de uma conhecida banda de Leicester e brilhante relações públicas da Youth House) levou-nos ao Guadi Bar, onde tomámos o último copo com irmãos estónios e belgas, eles que já hoje, manhã cedo para uns, noite tarde para outros, rumaram aos seus mundos de sempre. O mundo dos dias de Leicester foi um sonho, a dream, un rêve, uks unistus. Os nove portugueses têm mais dois dias de Leicester. Em trãnsito só.
Daqui a pouco, Mike leva-me a assistir ao Leicester X Aston Villa em futebol. Havemos de nos divertir no tempo que falta.
Goodbye Leicester!
Crónicas dos dias de Leicester II
Luís Fernandes